Em seminário na semana passada, onde anunciou uma estimativa de R$ 611
bilhões nos próximos quatro anos em projetos de rodovias, portos, aeroportos,
telecomunicações, energia e outros investimentos em infraestrutura, o
presidente do BNDES, Luciano Coutinho, foi abordado pelo presidente do Banco de Desenvolvimento da
América Latina (CAF), Enrique Garcia, com uma proposta: replicar, no Brasil, um
mecanismo de financiamento que, na Colômbia, permitiu criar um fundo de
investimento em infraestrutura de US$ 1 bilhão, a partir de um investimento US$
80 milhões em participação (equity) do banco multilateral.
Com ativos de US$ 30,5 bilhões em 2014, formado por 17 países da América
Latina e do Caribe, além dos países da Península Ibérica e 14 bancos regionais
privados, a CAF (antes denominada Corporação Andina de Fomento, daí a sigla) é
um ator discreto e importante no financiamento de obras nas Américas. O
interesse de Garcia em agregar-se ao apoio dos projetos de infraestrutura no
Brasil é só um exemplo das insuspeitas fontes de financiamento à disposição do
país, caso as autoridades econômicas consigam sedimentar credibilidade em seus
esforços de ajuste na economia.
"Conseguimos convencer as autoridades na Colômbia a mudar regras de
fundos de pensão e seguros para participarem de fundos de infraestrutura,
estamos negociando com o Uruguai e considerando algo semelhante no Peru",
contou García, um veterano executivo respeitado em todo o continente. "No
Brasil não mobilizaríamos US$ 1 bilhão, mas pelo menos três vezes mais",
prevê.
Estudos de viabilidade não são completos
Os US$ 3 bilhões imaginados pelo presidente da CAF se somariam a linhas
tradicionais de financiamento. A CAF aprovou em 2014 US$ 1,9 bilhão em
empréstimos, apenas 15% com risco soberano, para prefeituras que encontraram na
instituição apoio para projetos como a melhoria da infraestrutura turística de
Fortaleza e um programa de transportes e recuperação ambiental em Niterói. A
CAF emprestou, ainda, US$ 475 milhões à Petrobras, à Odebrecht e a Granol, e
criou uma linha de US$ 950 milhões em crédito rotativo para empréstimos dos
bancos brasileiros destinados à capacidade produtiva das empresas.
Aumentar o papel das instituições multilaterais como CAF e BID para
apoiar, com garantias, investimentos de longo prazo, reduzindo seu custo e
atraindo investidores privados, é um projeto antigo de Luciano Coutinho. As
instituições estão dispostas a participar. O desafio é atrair o capital
privado, drenado para aplicações de prazo mais curto e excelente remuneração,
como os papéis do Tesouro Nacional.
Dirigente de um banco com
a melhor classificação das agências de avaliação de risco ("triple
A"), García conhece como poucos as Américas. Comenta que não se deve olhar
o Brasil isoladamente, pois o país faz parte de um contexto regional de países
com deficiência de poupança interna, carência de investimentos para as necessidades
de infraestrutura e dificuldades provocadas pelo fim do ciclo de alta das
commodities, que até recentemente davam uma bela ajuda às contas externas
dessas economias. A região precisa dobrar seus investimentos em infraestrutura,
e será necessário criatividade em engenharia financeira para isso.
Mas financiamento, isoladamente, não vai resolver um problema crônico da
região: a má qualidade dos projetos de investimento. "É um tema delicado,
e diz respeito a projetos públicos e privados", reconhece García. "Os
estudos de factibilidade não são suficientemente completos", avalia. É uma
realidade tristemente presente no Brasil. "Muitas opções de infraestrutura
podem parecer baratas em termos de custo; mas se faço uma análise mais profunda,
não só a preços de mercado, mas com preços econômicos, externalidades, como o
custo ambiental, o que parecia muito rentável pode ser um perigo".
"As análises do impacto social e o tema ambiental não são algo que
se deixa para o fim dos estudos, quando tudo já está pronto, só para cumprir
requisitos de bancos multilaterais", advertiu García. Às vésperas de mais
uma conferência do clima, a advertência do executivo não é só uma bronca, é um
conselho precioso: o país que necessita de investimentos e sonha com o capital
privado tem de fazer seu dever de casa na análise dos riscos sociais e
ambientais de seus planos de infraestrutura. "As decisões só devem ser
tomadas quando estudos hajam demonstrado claramente todos seus impactos",
diz o dirigente da CAF.
O Brasil ensaia mudanças, mas só lentamente começa a deixar de ver
questões ambientais como custo e obstáculo ao desenvolvimento. Esse é um tema
quente na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que
vem fazendo um esforço de revisão nas estratégias de crescimento defendidas
pelas economias mais influentes. Em breve a organização divulga um esperado
relatório com experiências de países que transformaram seus desafios
ambientais, como crises de abastecimento de água, por exemplo, em alavancas de
investimento e crescimento.
Amanhã, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, participa em Paris da
reunião do Conselho de Ministros da OCDE, onde oficializará o acordo de
cooperação do Brasil com o grupo - até recentemente visto com desconfianças nos
palácios do Planalto e do Itamaraty, pelo temor de que as regras do mundo
desenvolvido sacramentadas no grupo pudessem impor travas a políticas de
desenvolvimento de países emergentes como o Brasil.
A aproximação do Brasil com a OCDE, que inclui ingresso nos comitês
destinados a discutir políticas para Indústria e Inovação e para Políticas
Regulatórias, certamente terá de levar em conta o debate, naquela organização,
sobre o chamado "desafio verde" para as economias industriais. Ficou
para trás o tempo em que se tratava esse tema como animal exótico nas
discussões de política econômica.
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